Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil / Fotos Públicas
O atual cenário de destruição pela crise econômica, na saúde pública e na pesquisa científica foi precipitado pela pandemia da Covid-19. Ele aconteceria dentro de alguns anos em virtude dos cortes nos investimentos públicos. A análise é do advogado e diretor do Instituto Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra), Nasser Allan, durante o programa iDeclatra na Cultura desta quinta-feira (19).
Segundo Allan a Emenda Constitucional 95, que ficou conhecida à época como PEC da Morte por reduzir os investimentos públicos, traria todas estas questões para o Brasil mesmo sem a pandemia. Contudo, este cenário demoraria alguns anos não fosse a chegada do novo coronavírus.
“As medidas de austeridade, com corte de investimentos na saúde, na pesquisa, na educação, das unidades federais, teriam uma preço que seria pago daqui alguns anos. Por que? É o estado retirando recursos de áreas essenciais ao País. Hoje nos deparamos com uma pandemia, com um SUS que tem que dar conta, sem recursos, de comprar respiradores por preços até oito vezes maior do que há quatro meses atrás. Não podemos comprar insumos e equipamentos de outros países porque ninguém é auto-suficiente. Todos estão produzindo para si e concorrendo com EUA que, por sua vez, compram pelo preço que for e tomam quando não conseguem comprar”, enfatizou.
Segundo ele, a crise causada pela Covid-19 é um momento para análise futura, de qual projeto de nação o Brasil deseja para si. “Devemos aproveitar essa desgraça para olhar pra frente e verificar se vamos continuar no mesmo rumo. Vamos seguir com políticas econômicas de retirada de direitos? Políticas de retirada de dinheiro da saúde pública e da pesquisa cientifica? Parece tão básico o que falamos e fazem tão diferente que parecem estar em outra realidade, em um mundo paralelo. É necessário desenvolver os produtos daqui. Mas preferem exportar commodities e importar produtos manufaturados. Exportamos carne e importamos respirador. Mas agora não tem pra trazer e não tem como produzir internamente. É de uma mediocridade que espanta até conservadores”, completou Allan.
Além de priorizar o País como exportador de commodities, a partir do Golpe de 2016, as políticas públicas no Brasil passaram também a dar ênfase para políticas de concentração de renda e não de distribuição, como ocorria nos últimos anos. “A partir da entrada de Michel Temer se estabeleceu um programa absolutamente inverso ao de distribuição de renda. Começou a concentração com retirada de direitos, sobretudo de natureza econômica. Esses valores não foram tirados da economia, eles mudaram de mãos. A parte que foi retirada dos trabalhadores e trabalhadoras ficou concentrada na mão dos mais ricos, que por sua vez, não devolvem o dinheiro na economia, mas sim, no mercado financeiro para ganhar mais dinheiro com a especulação. As políticas públicas a partir daí são todas nesta linha”, analisou.
Neste momento, segundo o diretor do Instituto Declatra, mesmo a concentração de renda na mão da elite não será suficiente para salvá-la. “Os pobres estão acostumados a conhecer gente que morreu por não ter vaga na UTI, faz parte da vida deles. Em que pese o SUS ser um dos melhores sistemas de saúde públicos do mundo, ainda assim é deficiente e não pode atender todo mundo. Mas desta vez ninguém vai ter acesso, não apenas a população mais pobre. Você pode ter dinheiro e não vai ter acesso ao leito hospitalar por que está tudo ocupado. Aí não bastará ter dinheiro”, alertou.
As mudanças nas prioridades das instituições, a partir do Golpe de 2016, segundo Nasser deixam o Brasil com um futuro sombrio pela frente. “A Reforma Trabalhista já aprovada, e agora uma nova com a MP da Carteira Verde e Amarela, tornam trabalhadores e trabalhadoras mais pobres. Ou seja, o País de forma geral mais pobre. Isso é fundamental que digamos. As medidas aprovadas pelo Senado e pela Câmara tornam o tempo de vida da classe trabalhadora mais barato e tem quem ganhe com isso. Aumenta o lucro do patrão sobre o valor do trabalho. Com isso o resultado é ainda mais concentração de renda e a imposição de uma vida ainda mais difícil para os pobres. É pensar em um país dividido entre ricos, que são pouquíssimos e os pobres, sem uma classe média intermediária. É um país sem futuro, ao meu ver, se seguir esse rumo”, destacou.
Por fim, Nasser Allan também criticou a decisão dos gestores públicos que estão flexibilizando as medidas de distanciamento social para impedir a circulação do novo coronavírus. Ele exemplificou com o recente posicionamento do prefeito de Curitiba, Rafael Greca, que liberou o comércio de rua para voltar a funcionar. “Muito estranha a decisão. Teremos mais de um milhão de pessoas circulando nas ruas de Curitiba. É uma decisão desprovida de qualquer base científica e que atende a Associação Comercial do Paraná no âmbito econômico, mas dissociada da realidade da saúde da própria cidade. Não demorará muito os hospitais estarão lotados com essa nova situação”, criticou.
O último balanço divulgado pelo Ministério da Saúde nesta quarta-feira (15) apontou que o número de mortos, oficialmente contabilizados, no Brasil chegou a 1.736 com um total de 28.320 casos.
O iDeclatra na Cultura é transmitido todas as terças e quintas-feiras, ao meio-dia, na Rádio Cultura de Curitiba. Você pode acompanhar o programa ao vivo pela AM 930, pelo site, pela Fan Page do Instituto Declatra ou da própria Rádio Cultura.
Confira o programa na íntegra: