Justiça do Trabalho reconhece vínculo de emprego entre Uber e motorista
A 3ª Vara do Trabalho de Diadema reconheceu o vínculo de emprego entre a Uber e um motorista do aplicativo. A decisão ocorreu em ação ajuizada pelo escritório de Minas Gerais após o trabalhador ter prestado serviços para a empresa entre julho de 2017 e abril de 2020.
Para o advogado do escritório responsável pelo caso, Kleber Carvalho, há uma óbvia relação de trabalho e empregoestabelecida entre a empresa responsável pelo aplicativo e os trabalhadores contratados. Entre os pontos que evidenciam esta relação, segundo o advogado, está a subordinação.
“A CLT é clara neste aspecto. Há um controle e supervisão permanente e constante por parte da empresa com relação à prestação dos serviços, não se restringindo apenas a um intermediário para o pagamento entre o usuário e o motorista. Eles têm a localização controlada e em tempo real, os clientes não são escolhidos por eles e o valor estabelecido também fica a critério da Uber, apenas para citar alguns exemplos”, aponta Kleber.
A subordinação ainda se evidencia com a indicação para o trabalhador permanecer na plataforma (online) com oferecimento de prêmios por viagens seguidas, prêmios por labor em horário com maior demanda e prêmio por jornada de trabalho semanal de 50 (cinquenta) horas. Destaca-se ainda o envio de mensagens, denominadas aviso de continuidade, com insistência para o trabalhador permanecer em atividade quando decidia finalizar a prestação de serviços, com teor: ‘Se ficar off-line, você deixará de ganhar’. Assim, a remuneração sustentável poderia ser atingida pelo motorista com horas de trabalho excessivas e determinadas pela ré, evidenciado o controle de jornada”, enfatizou a magistrada Magda Cardoso Mateus Silva em sua sentença.
Com a decisão, o motorista teve seu vínculo de emprego reconhecido e deverá receber todos os valores relativos às férias não pagas, aviso prévio indenizado, horas extras efetivamente trabalhadas e outras verbas trabalhistas que lhe foram sonegadas.
A decisão ainda está sujeita a recurso pelas partes.
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Aplicativo empodera trabalhadoras domésticas dos seus direitos
Imagine ter informações relativas aos seus direitos na palma da mão. Acrescente a isto uma calculadora para analisar questões trabalhistas em questão de segundos. Agora pense se esse conjunto de dados está disponível, especificamente, para uma das categorias que mais sofre com preconceito e precarização das relações de trabalho: as domésticas. Pois esse é objeto do Laudelina, um aplicativo para celulares que tem como objetivo empoderar essas trabalhadoras.
O software foi idealizado e produzido pela Federação Nacional de Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) em parceria com a Themis, uma ONG que há 25 anos promove ações de gênero, justiça e direitos humanos, cujo projeto mais conhecido, o das Promotoras Legais Populares, se tornou uma referência mundial.
O nome do aplicativo, sugestivo, é uma homenagem a Laudelina Campos de Melo. “Este projeto foi inspirado na luta das trabalhadoras domésticas por reconhecimento de sua profissão, especialmente na figura da Laudelina de Campos Melo, ativista do movimento negro, que fundou, em 1936, junto com outras mulheres negras, a primeira Associação de Empregadas Domésticas no Brasil”, explica a magistrada do Trabalho aposentada e conselheira da Themis, Andréa Nocchi.
De acordo com ela, a Emenda Constitucional 72, conhecida como PEC das Domésticas, bem como sua lei complementar, estabelecer direitos trabalhistas e previdenciários desta categoria. Contudo, para que os direitos sejam efetivamente garantidos, é preciso uma constante vigilância.
“Acreditamos que a lei só pode ser uma ferramenta de mudança social quando se dispõe de mecanismos de implementação, informação e mobilização da sociedade civil e do Estado para garantir os direitos conquistados. Além disso, constatamos que o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação está presente de forma disseminada nas casas dos brasileiros e que seu impacto -propulsor de desenvolvimento econômico e social – deve ser considerado e apropriado pelas organizações da sociedade civil”, relata Andréa.
A possibilidade do Laudelina atingir o grupo específico a que se propõe está lastreada em dados do PNAD de 2014. Há três anos atrás 86% das trabalhadoras domésticas já possuíam telefone celular para uso pessoal. Estatística que certamente cresceu neste período, o que leva a possibilidade de uso da Laudelina para boa parte destas trabalhadoras.
Contudo, o aplicativo por si, não garante nada. A sua efetividade passa necessariamente pelo seu uso. “O aplicativo não é uma garantia por si só dos direitos conquistados; quem tem o poder de mudança são as mulheres organizadas. Mas o aplicativo pode sim contribuir para essa organização ao atingir as mulheres que trabalham de forma isolada nas residências a saberem que têm direitos e que estes direitos têm de ser respeitados”, comenta a conselheira da Themis. .
Mas como garantir a visibilidade e o uso deste aplicativo? “O desafio, para o próximo ano é realizar uma Caravana pelos sindicatos do país com o objetivo de divulgar o aplicativo para que uma grande parcela das 8 milhões de trabalhadoras domésticas brasileiras tenham acesso ao seu conteúdo e a informação sobre seus direitos e fortalecer a estratégia educomunicacional e a parceria com as instituições para fazer valer a proibição do retrocesso, em especial para as trabalhadoras domésticas, visto que são as que mais enfrentam até hoje as múltiplas discriminações institucionais no Brasil”, responde a ex-magistrada.
Vulnerabilidade – O aplicativo também ganha destaque por tratar, efetivamente, de uma categoria com grande histórico de vulnerabilidade na sociedade brasileira. “São mulheres, na sua maioria negras, com pouca instrução, que sempre foram consideradas de ‘categoria inferior’. Tem imensa dificuldade de organização sindical pela peculiaridade do trabalho e vítimas de um preconceito social que nos reporta as nossas raízes escravocratas”, avalia Andrea. “Importante salientar à invisibilidade que a sociedade impõe a esse trabalho. O próprio judiciário trabalhista e os advogados tem a forte tendência de desqualificar a trabalhadora, suas demandas e necessidades, tratando suas demandas como secundárias”, completa.
A dificuldade de fiscalização, diferente do que acontece em grandes indústrias, por exemplo, também é um fator agravante para vulnerabilidade destas trabalhadoras que muitas vezes enfrentam todos os tipos de assédio e até a prática do trabalho infantil. “O trabalho doméstico tem forte conexão com o trabalho infantil pois muitas trabalhadoras começam na infância – uma das razões do trabalho infantil doméstico ser considerada uma das piores formas de trabalho no Brasil – e também com o trabalho escravo. É de difícil fiscalização e muitas vezes coloca as mulheres e crianças em situações de abusos moral e sexual”, argumenta.
Contudo, a expectativa, é que o aplicativo possa ser um instrumento de empoderamento e que ajude novas Laudelinas a ter mais acesso à informação para suas lutas diárias. Mas elas existem? “Sim, existem muitas Laudelinas. Exemplos são Luiza e Creuza da FENATRAD mas todas as trabalhadoras domésticas têm essa característica de muito trabalho, nenhum reconhecimento e enormes dificuldades sociais. Muitas sustentam famílias enormes e precisam deixar seus filhos com outros cuidados para cuidar dos nossos filhos”, finaliza a conselheira da Themis.
Confira algumas das funcionalidades do Laudelina
:: Um manual de direitos: que foi revisado de acordo com a lei nº 150/2015, trazendo, por assunto, cada um dos direitos. O conteúdo desse manual é revisado pela THEMIS e pela FENATRAD para que esteja de acordo com a proteção aos direito humanos e para que a trabalhadora compreenda os seus direitos.
:: Uma calculadora de salários: em que se pode calcular o salário do mês, o valor a ser recebido pelo 13º e pelas férias.
:: Uma aba para Cálculos de rescisão: onde a trabalhadora pode calcular as verbas que tem direito a receber se pedir demissão ou se for demitida.
:: Uma Rede de Contatos para que a trabalhadora possa encontrar – no raio de distância que ela escolher – outras trabalhadoras domésticas logadas no aplicativo.
:: Uma lista de Telefones e endereços úteis que foi pensada para aproximar as trabalhadoras não sindicalizadas dos sindicatos e das instituições de justiça;
:: Aba para denunciar abuso ao Ministério Público do Trabalho.
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