Seminário na Espanha debate os direitos sociais e o neoliberalismo extremo
Um século de direitos sociais inspirados na República de Weimar e uma sociedade que entra em um período de neoliberalismo extremo. Esse é o grande mote do Seminário de Teoria Crítica dos Direitos Humanos promovido pela Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha, entre os dias 21 e 23 de janeiro.
O evento, que conta com o apoio de instituições de diversos países, contou com a participação do diretor do Instituto Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra), Ricardo Mendonça. Ele foi um dos palestrantes da mesa que fez um balanço de século influenciado pelo constitucionalismo social de Weimar.
Para Mendonça, Weimar foi a saída para o sufocamento das classes sociais oprimidas. Uma forma de evitar uma possível revolução diante dos inúmeros problemas sociais da época. “Desde 1978 são diversas crises financeiras, ao todo 124 mais especificamente. A saída encontrada pelo capital foi a implantação de um capitalismo neoliberal forte e não o estado democrático de bem estar. Do outro lado, encontraram uma esquerda fraturada. Somente uma radicalidade democrática poderá ser a saída para o totalitarismo”, afirmou.
O economista, Alberto Montero, completou que o mercado investiu em processo educacionais e culturais para gerar elementos como a meritocracia, que tornou-se um valor muito forte. “Isso trouxe um fenômeno: a construção de identidade se inverteu”, analisou. Segundo ele a solução é a busca de novas identidades compartilhadas, uma vez que hoje boa parte da classe trabalhadora tem identificação maior as partes superiores da pirâmide social e não das mais baixas, de quem estão mais próximas.
O professor Antônio Baylos foi o responsável pela abertura do encontro. Um dos pontos-chave para ele é a cidadania. “É uma condição coletiva, igualitária e transversal que se define por intermédio da participação ativa e não meramente consumidora”, pontuou. Ainda segundo Baylos, o poder coletivo é o caminho para conseguir direitos fundamentais.
Discursos que legitimam a racionalidade neoliberal e como afetam os direitos sociais – Este foi o tema da segunda mesa do seminário. O professor Manuel Gándara, do Instituto Joaquín Herrera Flores, reforçou a reflexão de que o neoliberalismo não busca um estado fraco exatamente, mas sim um estado forte para proteger o mercado. Ele também destacou pressupostos do neoliberalismo. “O primeiro, de caráter epistemológico, é o fato de que pensam não ser possível entender a sociedade como coletivo, mas a partir da individualidade e do alvedrio de cada sujeito”, exemplificou. Outro ponto afetado na opinião do professor são as relações pessoais. “Hoje não há mais amigos, mas sim capital de relacionamento”, completou.
A doutoranda pela Universidade Paris 10, Aline Rivera, ressalta o fato de a ideia de progresso e desenvolvimento, para os neoliberais, é intrinsecamente ligada ao crescimento econômico e que por isso tudo se justifica. Contudo, esse crescimento precisa do consumo e como é possível consumir? Coloca-se o trabalho assalariado como única opção, no centro da sociedade o trabalho. Considera-se que as próprias pessoas, através do trabalho, devem produzir, âmbito privado, seu próprio bem estar”, afirmou. Outro ponto analisado é o papel das mulheres. “Estão sob a imposição de um trabalho de cuidados gratuitos, produzindo “mercadorias” preciosas: mão de obra. As mulheres são “condenadas” a produzir esse bem estar a família e são elas que suprimem a falta do Estado no que se diz respeito ao estado de bem estar social”, completou.
Qual o papel dos estados com o processo de uberização da sociedade? Esta é a pergunta que tentaram responder os especialistas da terceira mesa do seminário. O advogado e professor João Victor analisa que o termo é uma nova dimensão de espaço e tempo capaz de desestruturar não só as relações de trabalho, mas também as relações humanas e de solidariedade. “Há um cinismo como o mercado trata o trabalho uberizado, com qualidades como flexível, dinâmico e criativo, não como ele é verdadeiramente, como precário e mal pago”, analisou
Para Rafael Gomes Gordillo, professor de Direito do Trabalho, trata-se de uma tentativa de universalização dos modelos organizacionais empresariais. “Tudo com a promoção das grandes empresas transnacionais. Os reflexos narrativos geram espaços similares do trabalho nos mais diversos países, independentemente de suas diferenças”, analisou.
O advogado Mauro Menezes avaliou o atual cenário do capitalismo. Segundo ele, o momento é do capital financeiro, com um poder transnacional e quase ilimitado. “O contraponto deve ser a institucionalidade das constituições. São as constituições democráticas, típicas dos Estado Democráticos de Direitos, conciliáveis com o paradigma neoliberal financeiro ou estão subjugadas aos interesses destes últimos?”, questionou. Para Menezes é preciso dar visibilidade para a ideia de que o capitalismo exigem, ou ao menos anseiam, que as constituições atendam seus anseios.
De acordo com o professor universitário João Ricardo Dornelles, o centro da organização social desde os anos 1970, com a ofensiva neoliberal, passou a ser o capital. “Não há dúvida da progressiva captura das forças normativas constitucionais ocidentais por parte do capitalismo financeiro”, alertou. Mas essa tomada não aconteceu de forma simultanea. “As ondas neoliberais, das décadas de 1980 e início da década de 1990 na Europa e EUA, e do pós-crise de 2008, não se passaram simultaneamente com os países do sul global, mas seus efeitos foram sentidos em todos os cantos do mundo”, completou.
O magistrado do Trabalho, Hugo Melo Filho, falou sobre as formas de organização social frente aos ataques neoliberais. Segundo ele, as forças progressistas devem resistir a todas as formas de retrocesso fascista. Resistir as agendas “austericidas” com organização e luta. “É um grande erro pensar que os movimentos sociais sempre são bons e não são. Basta lembrar as movimentações brasileiras recentes de extrema direita que deram no que deram”, ressaltou.
Anjuli Tostes, doutoranda na Universidade de Lisboa, recordou o livre trânsito de capitais e o endividamento como instrumentos de poder do capital contemporâneo. “Não há paralelo na história. É capaz de submeter os Estados e as pessoas aos seus próprios interesses”, comentou. Segundo ela, endividamento público e privado tornam-se mecanismos de poder quase que infinito do capital financeiro, seja sob a classe trabalhadora, governantes ou até mesmo o capital produtivo.
“Estudos deixam clara a desigualdade sem paralelo, a desindustrialização crescente, a mudança do poder do capital produtivo e do Estado para o capitalismo financeiro”, afirmou o advogado José Eymard Loguercio. Ainda de acordo com ele, a própria revolução tecnológica é um elemento de desconstrução do trabalho. “Neste contexto, há incompatibilidade de uma democracia que garanta a participação efetiva e a luta por direitos sociais por parte das classes operária e média com a fase do capitalismo neoliberal”, sentenciou.
O Seminário foi promovido pela Universidade Pablo de Olavide com apoio da Faculdade Cesusc, dos Institutos Declatra, Joaquin Herrera Flores, Lavoro, pelo escritório Mauro Menezes & Advogados e pela Rede Lado.
- Publicado em Destaque Instituto, Notícias